Até algumas décadas atrás, a
saúde mental era vista com preconceito por boa parte da sociedade. No entanto,
esse estigma tem mudado, como explica Wimer Bottura, médico psiquiatra,
psicoterapeuta e presidente do comitê de adolescência da Associação Paulista de
Medicina:
"Ainda existe preconceito, mas ele vem diminuindo
progressivamente, à medida que a sociedade se torna melhor informada, com mais
cultura e com uma preocupação maior com a saúde". Essa preocupação com a
saúde inclui a saúde mental. Bottura afirma que, assim como a sociedade, as
psicoterapias também evoluíram. "Elas saíram de um conceito de doença
mental, como se terapia fosse só para quem tem uma doença, para ser uma questão
de autoconhecimento, autoaprimoramento, desenvolvimento pessoal e tratamento
também", analisa. Segundo ele, nos últimos 50 anos, a área da saúde que
mais evoluiu foi a psicologia
"Na maioria das vezes,
qualquer um de nós consegue perceber que está precisando de ajuda profissional
quanto à sua saúde mental e emocional: quando o indivíduo sente que não está
dando conta de suas próprias questões, as suas emoções o paralisam ou sintomas
psicológicos passam a comprometer sua vida no aspecto familiar, social, no
trabalho etc., é sinal de que alguma intervenção se faz necessária",
explica Everton Fabrício Calado, doutor em psicologia clínica e psicólogo da
UFAL (Universidade Federal de Alagoas)
Ele alerta, porém, que há casos
em que a própria pessoa não reconhece essa necessidade e o maior entrave ainda
é o preconceito social (psicofobia), o receio de estar sendo julgado, e, não
raro, até a desinformação de onde buscar esse apoio, seja na rede pública, seja
na privada. Mas até quem quer cuidar da mente e busca ajuda profissional pode
ficar em dúvida de quem procurar e o que fazer. Por isso, conversamos com
especialistas para entender melhor o que faz cada profissional, o tipo de
terapia e quando procurar cada uma delas.
Psicoterapia
Popularmente chamada de terapia,
é o tratamento que utiliza dos conceitos da psicologia para tratar questões
emocionais por meio da escuta e conversa. Ela pode ser realizada tanto por
psicólogos quanto por psiquiatras. "Práticas psicoterápicas têm uma
tendência a estabelecer uma relação entre o eu do terapeuta e o eu do paciente
como o ponto central para a conquista de objetivos, mudanças de padrões
comportamentais, promoção do autocuidado ou tomada de consciência sobre
determinados aspectos das relações humanas", explica Tiago Ravanello,
psicólogo, psicanalista, pós-doutor em psicologia clínica, mestre e doutor em
teoria psicanalítica e professor da UFMS (Universidade Federal do Mato Grosso
do Sul).
Entre as psicoterapias existem
várias abordagens que seguem linhas distintas de tratamento, mas todas calcadas
em teorias da psicologia, como a cognitivo-comportamental, comportamental,
terapia de esquemas, Gestalt, terapia humanista e existencial.
Segundo Ravanello, essas
abordagens se estabelecem por seus métodos, sendo rigorosamente avaliadas em
sua eficácia por meio de publicações científicas e há um divisor de águas entre
essas psicoterapias e aquelas que ficam à margem da avaliação científica, como
as diferentes vertentes do coaching, constelações familiares, hipnoterapias diversas,
biodecodificação, entre outras. "No primeiro caso, uma formação
consistente e metódica leva ao exercício ético e cientificamente validado de
formas de transformação subjetiva e cuidado ao sofrimento humano. No segundo,
temos costumeiramente práticas baseadas nos mitos de fundadores ou na
propaganda de supostos casos de sucesso, mas que não se submeteram
necessariamente à avaliação científica para que seja bem compreendido os
limites éticos da prática e de sua eficácia", analisa.
Psicanálise
Criada por Sigmund
Freud, médico neurologista e psiquiatra austríaco, a psicanálise envolve
técnicas e teorias que visam possibilitar desenvolvimento mental. "Para
que haja desenvolvimento mental, precisamos nos aproximar de estruturas
psíquicas, funcionamentos mentais que necessitam serem percebidos pelo próprio
paciente, pois sem percepção não há desenvolvimento possível", esclarece
Marta Foster, psicóloga, psicanalista e membro efetivo, docente, analista
didata e secretária geral da SBPSP (Sociedade Brasileira de Psicanálise de São
Paulo).
Foster diz que o psicanalista
entende que o conhecimento de si mesmo é o agente libertador de áreas
primitivas que atuam no nosso psiquismo sem que delas tenhamos conhecimento.
"Faz parte da psicanálise a teoria do inconsciente, ou seja, que nossa
consciência tem acesso limitado ao que somos e ao que fazemos".
Ela explica que dentro da
metodologia, que se baseia na relação entre analista e paciente, desenvolve-se
um campo de observação que torna possível a investigação de fenômenos mentais,
que ao serem percebidos, vivenciados em sala de análise, cria a possibilidade
de que o paciente venha a ter o que de fato interessa: uma melhor qualidade de
vida, com toda a complexidade que envolve esse termo.
Psicoterapia x psicanálise
Foster acredita que é mais fácil
o paciente buscar inicialmente uma psicoterapia do que uma psicanálise.
"Como fazemos na medicina, começamos com um anti-inflamatório e, se não
funciona, buscamos um antibiótico. Porque a necessidade exige! Então, é a
demanda do paciente, o que ele quer para si, que será o determinante para sua
escolha. A psicanálise exige mergulhos para que o paciente conheça o que tem
dentro de si, na psicoterapia podemos ficar com a superfície e tirarmos algum
proveito dela", analisa.
Há um elemento psicoterápico na
clínica psicanalítica chamado "transferência", ou seja, um canal de
comunicação através do qual o analisando projeta em seu analista elementos de
seu próprio consciente. De acordo com Ravanello, isso leva a um sentimento de
melhora ou intensificação dos sintomas nos atendimentos iniciais. Mas a questão
é que uma análise bem conduzida não se resume a isso.
"O analista é aquele que
renuncia a ocupar o lugar que lhe é dado pelo analisando e utiliza dessa
relação transferencial como um motor para que a análise aconteça. Ou seja, a
psicoterapia acaba sendo um obstáculo comum para que uma análise de fato
ocorra", ressalta.
Para que o analisando se defronte
com a estrutura discursiva de seu inconsciente, explica o professor da UFMS, se
faz necessário que o analista não se perca na tentação de oferecer seu eu ou
alguma forma de "normalidade" como um modelo a ser seguido.
"Assim, uma análise leva o sujeito a um enfrentamento trágico de si mesmo,
com alto poder de transformação de si e do entorno que o cerca", diz.
Psiquiatria
Especialidade médica que trata
dos transtornos da mente. Ela se diferencia da psicologia por estudar os
problemas mentais que necessitam de um tratamento psicofarmacológico (os
psicotrópicos). Geralmente o tratamento com medicamentos é associado à
psicoterapia. Alguns dos transtornos tratados pela psiquiatria são: ansiedade,
depressão, transtorno obsessivo compulsivo, bipolaridade, síndrome do pânico,
esquizofrenia, entre outros.
Qual procurar: psicoterapeuta ou
psiquiatra? A psicoterapia costuma ser a porta de entrada para o paciente, que
não precisa estar com um problema específico para frequentá-la. ELa pode
funcionar como uma ferramenta de autoconhecimento e ajudar a pessoa a lidar com
suas questões. Dependendo do seu problema ou de sintomas que esse paciente
esteja sentindo, o psicólogo ou psicanalista pode encaminhar para o tratamento
psiquiátrico.
Mas o contrário também pode
ocorrer. Se a pessoa sofre com ansiedade, por exemplo, e começa a fazer um
tratamento medicamentoso com um psiquiatra, este pode sugerir que o paciente
também faça um acompanhamento com um psicólogo, para tratar o
"iceberg" que pode estar por trás das crises.
Formação do profissional é
importante
Com o aumento da busca por mais
qualidade de saúde física e mental diversas terapias têm surgido, sem respaldo
científico ou formação profissional, o que acende o alerta dos profissionais de
saúde mental. "Se por um lado a subjetividade não pode ser tratada como
território exclusivo desse ou daquele profissional, o enorme e crescente
mercado de terapias oferecido àqueles que buscam ajuda em razão de seu
sofrimento psíquico pode ofertar muitos caminhos nocivos mediante terapeutas
atendendo em toda a parte sem preparo e sem respaldo", analisa o professor
da UFAL.
Ele complementa que quando o
psicoterapeuta é um psicólogo ou médico há a vantagem para o paciente em saber
que aquele profissional responde legalmente a um conselho de classe em caso de
infração ética, por exemplo.
Fonte: Psicoterapia, psicanálise e psiquiatria: qual a diferença entre cada uma? Escrito por Diego Garcia – 25.02.2022 – para Viver Bem UOL
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https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2022/02/25/psicoterapia-psicanalise-e-psiquiatria-quando-procurar-cada-uma.htm